VAN TIL, Henry R. O Conceito Calvinista de Cultura, São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
Introdução
Este trabalho se presta a analisar a obra “O Conceito
Calvinista de Cultura” do Pastor e professor Henry R. Van Til. O autor
foi professor no Calvin College education e no Calvin and Westminster
Seminaries, contribuiu com periódicos como "Torch and Trumpet" e "Church
and State in East Germany". Serviu como president do Calvinistic Culture Association of
America e como
vice president do Evangelical Ministerial Union of Grand Rapids, Michigan. (Memorial: HENRY R. VAN TIL, 1906-1961)
A obra trabalha em prol da descoberta de
uma cultura verdadeiramente cristocêntrica e cristodirecionada, apontando para
as escrituras como única base pela qual o homem pode desenvolver sua cultura e
sociedade abaladas pelo pecado. O livro divide-se em três partes, definindo a questão,
onde apresenta conceitos que serão utilizados na obra; Orientação histórica,
com uma breve análise dos teólogos, Agostinho (354-430), Calvino (1509-1564), e
Kuyper (1837-1920) e Schilder (1890-1952) e suas contribuições ao conceito de
cultura; e Considerações básicas a respeito de uma definição, onde aponta sua
visão a respeito do tema. Uma referência para o tema que aponta para a forma
bíblica de se enxergar o mundo.
Teses Principais
Na primeira parte de sua obra, Van Til apresenta os
conceitos que irão servir como base para sua discussão. Logo em seu prefácio,
conceitua cultura como atividade do homem portador da imagem de Deus, pela qual
ele executa a ordem dada na criação ,de cultivar a terra, dominá-la e
sujeitá-la. Afirma que parte desse conceito também se dá no resultado de tal
atividade. Importante pontuar que o autor afirma que a cultura é determinada
pela religião. E sua introdução delimita a atuação da obra como restrito a
consideração da crise atual, A luz da importância da vocação do cristão de amar
a Deus com todo seu coração, alma mente e força. Isso se posta na verdade de
que Cristo salvou o mundo incluindo a cultura humana. Apresenta como tese o
fato deu que:
... se
confessarmos que conhecemos a Deus na face de Jesus Cisto, se pela graça,
dizemos “em tua luz vimos a luz”, então não podemos ter comunhão verdadeira com
o ímpio, apostatando da cultura de nosso tempo, embora tenhamos de nos associar
aos homens do mundo. De fato estamos no mundo, mas não somos do mundo. (Pag.
25)
Conceituando cultura Van Til aponta que o
conhecimento técnico filosófico aponta para o criador, pois pressupõe que a
cultura é a realização do molde intencional da natureza na execução da vontade
criativa de Deus. Que o home no estado de retidão possuía impulso (vontade), o
chamado (dever), o privilégio (possibilidade) e também poder (habilidade) para
executar o mandado criativo de Deus, mas que pelo pecado, ele perdeu essa
motivação e, em conseqüência disso, o objetivo de sua cultura é pervertido.
Para o
autor homem continua responsável por essa comissão de cultivar, mas se encontra
alienado dela. Os relacionamentos afetados promovem desordem e desequilíbrio
nas estruturas básicas: casais, família e nas relações hierárquicas do
trabalho. Tudo se dá por conseqüência do mal promovido pelo pecado. O que se
contrapõe a formação cultural corrompida dos homens é a atuação de Deus na
história que em Cristo, reconcilia todas as coisas com Ele mesmo (Cl 1.14),
inclusive a cultura. Cristo é o Grande renovador da vida; ele restaura a
religião verdadeira. Para T. S. Eliot a cultura é a “religião vivida”. O autor
conclui o seu pensamento afirmando que a religião e a cultura são inseparáveis,
pois toda cultura é animada pela religião. O homem é restaurado por Deus como
criatura cultural para servir ao seu Criador. Ao definir calvinismo o autor
aponta que a filosofia calvinista contemporânea reconhece a revelação de Deus
como autoridade principal e suprema em vez da mente autônoma do homem pontuando
que uma metafísica bíblica de conhecimento é uma ética bíblica.
Em sua
segunda parte o autor demonstra seu respeito por quatro grandes pensadores da
cultura no veio calvinista: Agostinho, o próprio Calvino, Kuyper e Schilder.
Traça uma breve análise de cada um extraindo os conceitos e aplicações da
prática teológica de cada um, no que se refere à cultura.
Os
conceitos apontados por Agostinho e destacados por Van Til são: a crença de que
as realizações da luta cultural do homem devem ser permeadas e transformadas
pelos princípios cristãos de modo que desenvolvamos uma cultura de verdadeiro
amor e glorificação a Deus, em vês de uma cultura do mundo, já que ela é
corrupta e desafia a Deus. Agostinho tem como obra principal, a cidade de Deus
onde apresenta dois reinos como entidades metafísicas que são forças
espirituais em oposição, Jerusalém e a Babilônia. O ponto de maior destaque na
exposição do pensamento agostiniano é o fato de que o homem e seu mundo derivam
do criador e dependem do mesmo. O significado dos dois é também definido por
Deus. A conclusão do Autor sobre esse pensador é de que ele é o filósofo das
antíteses culturais e da regeneração, pois acreditava na restauração do homem
integral em Cristo, a quem o mundo inteiro foi dado sob Cristo.
Sobre
João Calvino, o autor destaca sua contribuição original à teologia e a cultura.
Sobre sua visão da política vale destacar que para ele a igreja e o Estado são
duas entidades interdependentes e que cada uma recebeu sua autoridade do Deus
soberano. Defende que foi Calvino e não o iluminismo que libertou toda a esfera
cultural da tutela da igreja e que com isso tornou o homem responsável e
devedor de contas somente a Deus e a sua consciência. Uma liberdade de essência
espiritual. A vocação para Calvino é determinada por Deus e toma o conceito de
cultura mais amplo para afirmar isso, desde a agricultura e comércio até as
coisas de beleza e luxos da vida. Para Calvino, todo homem tem um chamado
divino de realizar o mandado cultural, pois todas as coisas são nossas, mas nós
somos de Cristo. Essa preocupação cultural deve ser pautada sob a tutela da
Palavra de Deus.
Kuyper é descrito como um gênio versátil do Calvinismo
holandês. Van Til destaca como frase principal desse pensador: “Não há nem um
centímetro em toda a área de existência humana da qual Cristo, o soberano de
tudo, não proclame: ‘Isso é meu’”. Essa frase pode ser também apontada com a
sua tese principal. Kuyper fala que a graça comum é o fundamento da cultura, já
que o grande plano de Deus para a criação é alcançado por meio da graça. Sua
tese é fundamentada na suposição de que a criação inteira não será destruída,
mas será glorificada. As nomenclaturas “normalistas” e “anormalistas” é usada
para denominar os dois tipos de pessoas que existem: os que forma regenerados
em sua natureza ética-espiritual por
Deus e os que não. Sobre ciência e religião, vale ressaltar que o que é verdade
na primeira também o é na segunda, já que por meio de Cristo todas as coisas
foram feitas e, por meio de Cristo, todas as coisas esperam.
O último teólogo abordado na análise histórica do
pensamento calvinista sobre cultura é Schilder, sucessor de Kuyper
no que se refere a importância da obra, mas divergente em vários pontos e
opositor em alguns. Substitui, por exemplo, a doutrina da graça comum pela
doutrina do mandato comum. Sua tese principal pode ser exemplificada quando
aponta a história como estrutura para a obra redentora de Deus em Cristo. Deus
condena o pecado, mas restaura a história e a natureza em Cristo para o
cumprimento dos seus propósitos antigos. Cristo, além de substituto no seu
sacrifício vicário também substitui o homem no cumprimento do seu mandado
cultural. Para Schilder tanto o mandado cultural como o impulso cultural ainda
são comuns hoje a todos os seres humanos, mas nem todos fazem uso das duas
formas de se relacionar com a cultura. A formulação de Schilder coloca Cristo
como chave e pista para a cultura. Em Cristo a justiça punitiva ou ira de Deus
contra o pecado teve de ser aplicada, bem como a obediência requerida por Deus
devia ser prestada. Logo Cristo restaura a cultura produzindo a verdade, o
homem integral. Uma dualidade se institui: De um lado o ímpio cuja cultura
nunca alcança sua consumação, do outro a construção cultural criativa e
positiva é realizada apenas quando a vontade de Deus é obedecida. Os extremos
passam a ser evitados na compreensão da cultura, segundo Schilder “não se pode
ficar intoxicado com o otimismo cultural nem idiotizado com o ascetismo
cultural” já que o mundo não é mais o jardim de Deus, mas é um lugar de
trabalho.
Na
terceira e última parte Van Til apresenta suas conclusões quanto aos deveres
culturais dos crentes nas bases de seu relacionamento com o Deus da aliança em
Jesus Cristo. Sua visão sobre a autoridade da Bíblia pode ser resumida no fato
de que Deus, que criou todas as coisas, diz o que as coisas são através das
Escrituras. Ele afirma que a palavra é clara e suficiente em todas as questões
de fé e conduta. É ponto de referencia final para o pensamento, desejo, ação,
amor, e ódio do homem por sua cultura, bem como por seu culto. Por isso o temor
ao senhor é o princípio da sabedoria. Citando Dooyeweerd “Sentido é a
existência de tudo o que foi criado e da natureza mesma da condição própria.
Ele tem uma raiz religiosa e uma origem divina”. Por isso a bíblia é o livro
fonte para as questões culturais, para além do caminho da salvação. Para Van
Til é clara a imposição de que Deus é quem tem destinado o significado de cada
coisas criada, já que o empreendimento cultural inteiro do homem deve receber
seu significado de Deus, que deve revelar esse significado ao homem. A tarefa
cultural do homem é, Portanto, separar as verdades das ciências, para que o
homem como profeta possa pensar os pensamentos de Deus.
Van Til
aponta que para os calvinistas a fé tem primazia como motivação de sua cultura.
Afirma que aqueles que participam, pela fé, com Cristo, são restaurados aos
seus ofícios de profeta, sacerdote e rei, ficando livres do domínio do mal e
prontos para realizar o mandado de Deus. Essa renovação da cultura começa aqui,
mas será consumada no novo céu e na nova terra, onde um habitat apropriado para
o redimido está sendo preparado. Outro tema abordado pelo autor é o da
antítese: A hostilidade que Deus estabeleceu entre a semente da mulher e a
semente da serpente. Demonstra que Satanás tenta amenizar essa antítese,
camuflar sua intenção real, tentando criar a idéia de uma zona neutra no mundo.
Para Van Til a posição cristã deve postar-se em um lado e lutar por ele, já que
essa antítese é absoluta. A posição do calvinista deve postar-se, também sobre
o princípio de que todas as obras devem ser realizadas para o senhor e que Ele
é o senhor da história, isso implica que Ele dá significado a todo o passado
por que foi constituído Senhor dessa história. Em seu trabalho de mediador,
Cristo é reconciliador do mundo, o primeiro princípio (arché) e o Logos da
História, a Chave da Cultura. Ele é quem restaura os homens a verdade e, por
conseqüência, espera que os cristãos sejam testemunhas da verdade e que por ela
lutem.
Quanto ao chamado, ou vocação, do cristão
o pecado é que produziu divisão entre cultura e religião por causa do homem
buscar em prioridade, o seu eu. O autor chegou a afirmar que o homem fez da
cultura a sua religião e separou o seu trabalho do serviço do Senhor. Para ele
o homem integral, sem pecado e integrado no serviço de Deus, veio ao mundo para
restaurar a humanidade perdida à sua vocação perdida. Por último, em sua obra,
Van Til trás importantes observações sobra a graça comum. Primeiro que apesar
de ser válida ela precisa ser distanciada dos extremos de Kuyper e Schilder.
O primeiro aponta que a graça comum é o fundamento da cultura e da história e o
segundo que nega a relevância da graça comum para o empreendimento cultural. A
graça comum precisa ser enxergada como uma atitude ética por parte de Deus para
a humanidade, pela qual o homem é impedido de expressar totalmente sua
inimizade em relação ao Criador ou a seus semelhantes, e pela qual ele é
capacitado a desempenhar certas ações morais. Citando Calvino Van Til pontua que certa graça de Deus
aos pecadores não-regenerados foi depositada na história. Por tanto, eles são
capazes de aquilo que é, de modo relativo, bom e descobrem muita verdade com
relação às coisas inferiores. Sua afirmação final aponta para um Cristo
transformador da cultura quando Ele transforma a vida dos santos por, já que todo
aquele que está em Cristo Jesus é nova criatura. Desafia, ainda: A religião e
um povo se manifesta em sua cultura e os cristãos não pode ficar satisfeitos
com nada que uma organização cristã da sociedade.
Apreciação
crítica da obra
A obra se posta como imprescindível para
o estudo da cultura aos que busca uma visão bíblica da mesma. Uma leitura acessível e bem organizada sob
aspectos didáticos. A abordagem histórica abrange os ícones do pensamento
calvinista sobre o assunto e analisa de forma satisfatória.
Capítulos sobre Kuyper e Schilder foram
formatados de forma diferente dos outros dois capítulos de análise dos teólogos
anteriores, o que pode dificultar a compreensão e esteticamente trabalham
contra a obra. O que poderia ser de grande valor didático no que se refere às
diferenças e semelhanças no ponto de vista dos teólogos seria a utilização de
tabelas comparativas, tanto no final da explanação da análise dos pensadores
como no final da obra com o ponto de vista do autor sobre assuntos específicos.
Pode-se sugerir uma abordagem mais profunda do pensamento dos pensadores em
questão como uma verificação histórica detalhada da questão da visão da cultura
sob a ótica Calvinista.
Van
Til demonstra, em sua explanação do tema, consonância com outros autores
reformados. Quanto a importância das Escrituras na determinação do que é
cultura, Sproul (2002) demonstra o pensamento de Agostinho quando afirma que a revelação é a condição necessária para todo o conhecimento.
O filósofo adotou o lema: “Creio a fim de entender” e buscou uma verdade que
não fosse apenas provável, mas eterna imutável e independente. A importância do
conhecimento de Deus é afirmada também por Pink (2001) quando destaca
que a “mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais vigorosa
filosofia, com poder de empolgar a atenção de um filho de Deus, é o nome, a
natureza, a pessoa, os feitos e a existência do grande Deus, a quem Chama de
Pai”. Já David Naugle (2014) chama a atenção para o fato de que as “escrituras,
então, sugerem que as realidades divinas de quem Deus é e do que Ele tem
escolhido constituem a base da ética revelada na Escritura e na natureza”.
Naugle (2014)
trás
importante contribuição no que diz respeito ao mandado cultural entendendo-a
como a tarefa de ter domínio sobre a terra. O que nos leva ao problema do
pecado já que estruturalmente a criação era muito boa. Todavia, o pecado, como
um parasita, afetou tudo e todas as áreas da vida seguiram na direção errada. O
que nos leva ao conceito de graça comum. André Biéler (2012) contribui para a
discussão a respeito das afirmações quando à graça comum apontando que os dons
naturais, resta-nos alguma porção de inteligência e de discernimento com a
vontade. Afirma que a morte outra coisa não é que estar alienado de Deus, mas
que Cristo é o começo da segunda e nova criação já que na pessoa de Jesus
Cristo de Nazaré, a criatura humana é totalmente restaurada; nela reencontrou
suas verdadeiras dimensões, sua verdadeira natureza, sua perfeição original. O
novo adão inaugura uma nova humanidade. Para Biéler (2012), ainda, a obra de
Cristo restaura todo o universo, toda a criação é chamada para participar da
grande obra de restauração começada pelo filho, bem como o homem recupera,
ainda que parcialmente, sua soberania sobre a natureza. Naugle completa esse
pensamento afirmando que o Cristianismo, em outras palavras, significa a
restauração do mundo devastado pelo pecado. (NAUGLE, 2014, posição 411)
A obra apresenta real valor no que
se refere ao tema. Atente a proposta do autor e aos anseios de quem precisa
aprender a olhar para o mundo com os olhos da Bíblia, toda a igreja deveria
estar diante dos conceitos expostos nessa obra já que como pontua Naugle (2014)
Deus é a verdadeira sabedoria, portanto o verdadeiro filósofo ama a Deus.
Meditar nas palavras de Deus é aplicar seus conceitos como estilo de vida,
moldar nossa cultura com a visão bíblica se faz urgente e condição irrevogável
para cumprir a vontade de Deus.
Referencias Bibliográficas
·
Memorial: HENRY R. VAN TIL, 1906-1961
Disponível
em:
<http://www.etsjets.org/files/JETS-PDFs/5/5-1/BETS_5-1_9-10_Memorials.pdf>
Acesso em:17/10/16.
·
BIÉLER, André. O
pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
·
BURNS,
Bárbara. AZEVEDO, Décio de. CARMINATI, Paulo Barbero F. de. Costumes e Culturas Sociedade religiosa.
São Paulo: Edições Vida Nova, 1990.
·
NAUGLE,
David K. Filosofia um guia para estudantes.
Brasília: Editora Monergismo, 2014. Versão Kindle.
·
MOK,
Mansoo. Antropologia Cultural numa perspectiva missionária. Contagem: AME
Menor, 2005
·
PINK
A. W. Os atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas selecionadas,
2001.
·
SPROUL,
C. R. Filosofia para iniciantes São Paulo: Vida Nova, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário