quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Resenha: O Conceito Calvinista de Cultura

VAN TIL, Henry R. O Conceito Calvinista de Cultura, São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

Introdução

Este trabalho se presta a analisar a obra “O Conceito Calvinista de Cultura” do Pastor e professor Henry R. Van Til.  O autor foi professor no Calvin College education e no Calvin and Westminster Seminaries, contribuiu com periódicos como "Torch and Trumpet" e "Church and State in East Germany". Serviu como president do Calvinistic Culture Association of America e como vice president do Evangelical Ministerial Union of Grand Rapids, Michigan. (Memorial: HENRY R. VAN TIL, 1906-1961)
A obra trabalha em prol da descoberta de uma cultura verdadeiramente cristocêntrica e cristodirecionada, apontando para as escrituras como única base pela qual o homem pode desenvolver sua cultura e sociedade abaladas pelo pecado. O livro divide-se em três partes, definindo a questão, onde apresenta conceitos que serão utilizados na obra; Orientação histórica, com uma breve análise dos teólogos, Agostinho (354-430), Calvino (1509-1564), e Kuyper (1837-1920) e Schilder (1890-1952) e suas contribuições ao conceito de cultura; e Considerações básicas a respeito de uma definição, onde aponta sua visão a respeito do tema. Uma referência para o tema que aponta para a forma bíblica de se enxergar o mundo.
Teses Principais

            Na primeira parte de sua obra, Van Til apresenta os conceitos que irão servir como base para sua discussão. Logo em seu prefácio, conceitua cultura como atividade do homem portador da imagem de Deus, pela qual ele executa a ordem dada na criação ,de cultivar a terra, dominá-la e sujeitá-la. Afirma que parte desse conceito também se dá no resultado de tal atividade. Importante pontuar que o autor afirma que a cultura é determinada pela religião. E sua introdução delimita a atuação da obra como restrito a consideração da crise atual, A luz da importância da vocação do cristão de amar a Deus com todo seu coração, alma mente e força. Isso se posta na verdade de que Cristo salvou o mundo incluindo a cultura humana. Apresenta como tese o fato deu que:
... se confessarmos que conhecemos a Deus na face de Jesus Cisto, se pela graça, dizemos “em tua luz vimos a luz”, então não podemos ter comunhão verdadeira com o ímpio, apostatando da cultura de nosso tempo, embora tenhamos de nos associar aos homens do mundo. De fato estamos no mundo, mas não somos do mundo. (Pag. 25)
            Conceituando cultura Van Til aponta que o conhecimento técnico filosófico aponta para o criador, pois pressupõe que a cultura é a realização do molde intencional da natureza na execução da vontade criativa de Deus. Que o home no estado de retidão possuía impulso (vontade), o chamado (dever), o privilégio (possibilidade) e também poder (habilidade) para executar o mandado criativo de Deus, mas que pelo pecado, ele perdeu essa motivação e, em conseqüência disso, o objetivo de sua cultura é pervertido.
            Para o autor homem continua responsável por essa comissão de cultivar, mas se encontra alienado dela. Os relacionamentos afetados promovem desordem e desequilíbrio nas estruturas básicas: casais, família e nas relações hierárquicas do trabalho. Tudo se dá por conseqüência do mal promovido pelo pecado. O que se contrapõe a formação cultural corrompida dos homens é a atuação de Deus na história que em Cristo, reconcilia todas as coisas com Ele mesmo (Cl 1.14), inclusive a cultura. Cristo é o Grande renovador da vida; ele restaura a religião verdadeira. Para T. S. Eliot a cultura é a “religião vivida”. O autor conclui o seu pensamento afirmando que a religião e a cultura são inseparáveis, pois toda cultura é animada pela religião. O homem é restaurado por Deus como criatura cultural para servir ao seu Criador. Ao definir calvinismo o autor aponta que a filosofia calvinista contemporânea reconhece a revelação de Deus como autoridade principal e suprema em vez da mente autônoma do homem pontuando que uma metafísica bíblica de conhecimento é uma ética bíblica.
            Em sua segunda parte o autor demonstra seu respeito por quatro grandes pensadores da cultura no veio calvinista: Agostinho, o próprio Calvino, Kuyper e Schilder. Traça uma breve análise de cada um extraindo os conceitos e aplicações da prática teológica de cada um, no que se refere à cultura.
            Os conceitos apontados por Agostinho e destacados por Van Til são: a crença de que as realizações da luta cultural do homem devem ser permeadas e transformadas pelos princípios cristãos de modo que desenvolvamos uma cultura de verdadeiro amor e glorificação a Deus, em vês de uma cultura do mundo, já que ela é corrupta e desafia a Deus. Agostinho tem como obra principal, a cidade de Deus onde apresenta dois reinos como entidades metafísicas que são forças espirituais em oposição, Jerusalém e a Babilônia. O ponto de maior destaque na exposição do pensamento agostiniano é o fato de que o homem e seu mundo derivam do criador e dependem do mesmo. O significado dos dois é também definido por Deus. A conclusão do Autor sobre esse pensador é de que ele é o filósofo das antíteses culturais e da regeneração, pois acreditava na restauração do homem integral em Cristo, a quem o mundo inteiro foi dado sob Cristo.
            Sobre João Calvino, o autor destaca sua contribuição original à teologia e a cultura. Sobre sua visão da política vale destacar que para ele a igreja e o Estado são duas entidades interdependentes e que cada uma recebeu sua autoridade do Deus soberano. Defende que foi Calvino e não o iluminismo que libertou toda a esfera cultural da tutela da igreja e que com isso tornou o homem responsável e devedor de contas somente a Deus e a sua consciência. Uma liberdade de essência espiritual. A vocação para Calvino é determinada por Deus e toma o conceito de cultura mais amplo para afirmar isso, desde a agricultura e comércio até as coisas de beleza e luxos da vida. Para Calvino, todo homem tem um chamado divino de realizar o mandado cultural, pois todas as coisas são nossas, mas nós somos de Cristo. Essa preocupação cultural deve ser pautada sob a tutela da Palavra de Deus.
            Kuyper é descrito como um gênio versátil do Calvinismo holandês. Van Til destaca como frase principal desse pensador: “Não há nem um centímetro em toda a área de existência humana da qual Cristo, o soberano de tudo, não proclame: ‘Isso é meu’”. Essa frase pode ser também apontada com a sua tese principal. Kuyper fala que a graça comum é o fundamento da cultura, já que o grande plano de Deus para a criação é alcançado por meio da graça. Sua tese é fundamentada na suposição de que a criação inteira não será destruída, mas será glorificada. As nomenclaturas “normalistas” e “anormalistas” é usada para denominar os dois tipos de pessoas que existem: os que forma regenerados em sua natureza ética-espiritual  por Deus e os que não. Sobre ciência e religião, vale ressaltar que o que é verdade na primeira também o é na segunda, já que por meio de Cristo todas as coisas foram feitas e, por meio de Cristo, todas as coisas esperam.
            O último teólogo abordado na análise histórica do pensamento calvinista sobre cultura é Schilder, sucessor de Kuyper no que se refere a importância da obra, mas divergente em vários pontos e opositor em alguns. Substitui, por exemplo, a doutrina da graça comum pela doutrina do mandato comum. Sua tese principal pode ser exemplificada quando aponta a história como estrutura para a obra redentora de Deus em Cristo. Deus condena o pecado, mas restaura a história e a natureza em Cristo para o cumprimento dos seus propósitos antigos. Cristo, além de substituto no seu sacrifício vicário também substitui o homem no cumprimento do seu mandado cultural. Para Schilder tanto o mandado cultural como o impulso cultural ainda são comuns hoje a todos os seres humanos, mas nem todos fazem uso das duas formas de se relacionar com a cultura. A formulação de Schilder coloca Cristo como chave e pista para a cultura. Em Cristo a justiça punitiva ou ira de Deus contra o pecado teve de ser aplicada, bem como a obediência requerida por Deus devia ser prestada. Logo Cristo restaura a cultura produzindo a verdade, o homem integral. Uma dualidade se institui: De um lado o ímpio cuja cultura nunca alcança sua consumação, do outro a construção cultural criativa e positiva é realizada apenas quando a vontade de Deus é obedecida. Os extremos passam a ser evitados na compreensão da cultura, segundo Schilder “não se pode ficar intoxicado com o otimismo cultural nem idiotizado com o ascetismo cultural” já que o mundo não é mais o jardim de Deus, mas é um lugar de trabalho.
            Na terceira e última parte Van Til apresenta suas conclusões quanto aos deveres culturais dos crentes nas bases de seu relacionamento com o Deus da aliança em Jesus Cristo. Sua visão sobre a autoridade da Bíblia pode ser resumida no fato de que Deus, que criou todas as coisas, diz o que as coisas são através das Escrituras. Ele afirma que a palavra é clara e suficiente em todas as questões de fé e conduta. É ponto de referencia final para o pensamento, desejo, ação, amor, e ódio do homem por sua cultura, bem como por seu culto. Por isso o temor ao senhor é o princípio da sabedoria. Citando Dooyeweerd “Sentido é a existência de tudo o que foi criado e da natureza mesma da condição própria. Ele tem uma raiz religiosa e uma origem divina”. Por isso a bíblia é o livro fonte para as questões culturais, para além do caminho da salvação. Para Van Til é clara a imposição de que Deus é quem tem destinado o significado de cada coisas criada, já que o empreendimento cultural inteiro do homem deve receber seu significado de Deus, que deve revelar esse significado ao homem. A tarefa cultural do homem é, Portanto, separar as verdades das ciências, para que o homem como profeta possa pensar os pensamentos de Deus.
            Van Til aponta que para os calvinistas a fé tem primazia como motivação de sua cultura. Afirma que aqueles que participam, pela fé, com Cristo, são restaurados aos seus ofícios de profeta, sacerdote e rei, ficando livres do domínio do mal e prontos para realizar o mandado de Deus. Essa renovação da cultura começa aqui, mas será consumada no novo céu e na nova terra, onde um habitat apropriado para o redimido está sendo preparado. Outro tema abordado pelo autor é o da antítese: A hostilidade que Deus estabeleceu entre a semente da mulher e a semente da serpente. Demonstra que Satanás tenta amenizar essa antítese, camuflar sua intenção real, tentando criar a idéia de uma zona neutra no mundo. Para Van Til a posição cristã deve postar-se em um lado e lutar por ele, já que essa antítese é absoluta. A posição do calvinista deve postar-se, também sobre o princípio de que todas as obras devem ser realizadas para o senhor e que Ele é o senhor da história, isso implica que Ele dá significado a todo o passado por que foi constituído Senhor dessa história. Em seu trabalho de mediador, Cristo é reconciliador do mundo, o primeiro princípio (arché) e o Logos da História, a Chave da Cultura. Ele é quem restaura os homens a verdade e, por conseqüência, espera que os cristãos sejam testemunhas da verdade e que por ela lutem.
Quanto ao chamado, ou vocação, do cristão o pecado é que produziu divisão entre cultura e religião por causa do homem buscar em prioridade, o seu eu. O autor chegou a afirmar que o homem fez da cultura a sua religião e separou o seu trabalho do serviço do Senhor. Para ele o homem integral, sem pecado e integrado no serviço de Deus, veio ao mundo para restaurar a humanidade perdida à sua vocação perdida. Por último, em sua obra, Van Til trás importantes observações sobra a graça comum. Primeiro que apesar de ser válida ela precisa ser distanciada dos extremos de Kuyper e Schilder. O primeiro aponta que a graça comum é o fundamento da cultura e da história e o segundo que nega a relevância da graça comum para o empreendimento cultural. A graça comum precisa ser enxergada como uma atitude ética por parte de Deus para a humanidade, pela qual o homem é impedido de expressar totalmente sua inimizade em relação ao Criador ou a seus semelhantes, e pela qual ele é capacitado a desempenhar certas ações morais. Citando Calvino Van Til pontua que certa graça de Deus aos pecadores não-regenerados foi depositada na história. Por tanto, eles são capazes de aquilo que é, de modo relativo, bom e descobrem muita verdade com relação às coisas inferiores. Sua afirmação final aponta para um Cristo transformador da cultura quando Ele transforma a vida dos santos por, já que todo aquele que está em Cristo Jesus é nova criatura. Desafia, ainda: A religião e um povo se manifesta em sua cultura e os cristãos não pode ficar satisfeitos com nada que uma organização cristã da sociedade.

Apreciação crítica da obra

A obra se posta como imprescindível para o estudo da cultura aos que busca uma visão bíblica da mesma.  Uma leitura acessível e bem organizada sob aspectos didáticos. A abordagem histórica abrange os ícones do pensamento calvinista sobre o assunto e analisa de forma satisfatória.
Capítulos sobre Kuyper e Schilder foram formatados de forma diferente dos outros dois capítulos de análise dos teólogos anteriores, o que pode dificultar a compreensão e esteticamente trabalham contra a obra. O que poderia ser de grande valor didático no que se refere às diferenças e semelhanças no ponto de vista dos teólogos seria a utilização de tabelas comparativas, tanto no final da explanação da análise dos pensadores como no final da obra com o ponto de vista do autor sobre assuntos específicos. Pode-se sugerir uma abordagem mais profunda do pensamento dos pensadores em questão como uma verificação histórica detalhada da questão da visão da cultura sob a ótica Calvinista.
Van Til demonstra, em sua explanação do tema, consonância com outros autores reformados. Quanto a importância das Escrituras na determinação do que é cultura, Sproul (2002) demonstra o pensamento de Agostinho quando afirma que a revelação é a condição necessária para todo o conhecimento. O filósofo adotou o lema: “Creio a fim de entender” e buscou uma verdade que não fosse apenas provável, mas eterna imutável e independente. A importância do conhecimento de Deus é afirmada também por Pink (2001) quando destaca que a “mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais vigorosa filosofia, com poder de empolgar a atenção de um filho de Deus, é o nome, a natureza, a pessoa, os feitos e a existência do grande Deus, a quem Chama de Pai”. Já David Naugle (2014) chama a atenção para o fato de que as “escrituras, então, sugerem que as realidades divinas de quem Deus é e do que Ele tem escolhido constituem a base da ética revelada na Escritura e na natureza”.
            Naugle (2014) trás importante contribuição no que diz respeito ao mandado cultural entendendo-a como a tarefa de ter domínio sobre a terra. O que nos leva ao problema do pecado já que estruturalmente a criação era muito boa. Todavia, o pecado, como um parasita, afetou tudo e todas as áreas da vida seguiram na direção errada. O que nos leva ao conceito de graça comum.  André Biéler (2012) contribui para a discussão a respeito das afirmações quando à graça comum apontando que os dons naturais, resta-nos alguma porção de inteligência e de discernimento com a vontade. Afirma que a morte outra coisa não é que estar alienado de Deus, mas que Cristo é o começo da segunda e nova criação já que na pessoa de Jesus Cristo de Nazaré, a criatura humana é totalmente restaurada; nela reencontrou suas verdadeiras dimensões, sua verdadeira natureza, sua perfeição original. O novo adão inaugura uma nova humanidade. Para Biéler (2012), ainda, a obra de Cristo restaura todo o universo, toda a criação é chamada para participar da grande obra de restauração começada pelo filho, bem como o homem recupera, ainda que parcialmente, sua soberania sobre a natureza. Naugle completa esse pensamento afirmando que o Cristianismo, em outras palavras, significa a restauração do mundo devastado pelo pecado. (NAUGLE, 2014, posição 411)
            A obra apresenta real valor no que se refere ao tema. Atente a proposta do autor e aos anseios de quem precisa aprender a olhar para o mundo com os olhos da Bíblia, toda a igreja deveria estar diante dos conceitos expostos nessa obra já que como pontua Naugle (2014) Deus é a verdadeira sabedoria, portanto o verdadeiro filósofo ama a Deus. Meditar nas palavras de Deus é aplicar seus conceitos como estilo de vida, moldar nossa cultura com a visão bíblica se faz urgente e condição irrevogável para cumprir a vontade de Deus.



Referencias Bibliográficas

·         Memorial: HENRY R. VAN TIL, 1906-1961
Disponível em: <http://www.etsjets.org/files/JETS-PDFs/5/5-1/BETS_5-1_9-10_Memorials.pdf> Acesso em:17/10/16.

·         BIÉLER, André. O pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

·         BURNS, Bárbara. AZEVEDO, Décio de. CARMINATI, Paulo Barbero F. de. Costumes e Culturas Sociedade religiosa. São Paulo: Edições Vida Nova, 1990.
·         NAUGLE, David K. Filosofia um guia para estudantes. Brasília: Editora Monergismo, 2014. Versão Kindle.

·         MOK, Mansoo. Antropologia Cultural numa perspectiva missionária. Contagem: AME Menor, 2005
·         PINK A. W. Os atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas selecionadas, 2001.

·         SPROUL, C. R. Filosofia para iniciantes São Paulo: Vida Nova, 2002.

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