LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio
de Janeiro: Zahar, 2001.
Introdução
O trabalho acadêmico em questão
digna-se a analisar a obra “Cultura: um conceito antropológico” do autor Roque
de Barros Laraia, atropólogo e professor emérito
da Universidade de Brasília. Suas pesquisas de campo entre os índios
Suruí, Akuáwa o Xerente da bacia do Tocantins, Kamayurá do Alto Xingu e Kaapor
dos rios Gurupi o Turiaçu lhe deram a oportunidade de ocupar o cargo de presidente da FUNAI interinamente durante um mês.
Recebeu como prêmios o “Diploma de Honra conferido pela Fundação de Apoio a
Pesquisa do Distrito Federal, pela contribuição ao desenvolvimento científico e
tecnológico do Distrito Federal, Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito
Federal. (ZAHAR)
A obra em questão se preocupa em
introduzir o leitor ao conceito antropológico de cultura. Visando a compreensão
do paradoxo da enorme diversidade cultural da espécie humana. Podemos dividir a
Obra em duas partes: O desenvolvimento do conceito de cultura a partir das
manifestações iluministas até os autores modernos; e como a cultura influencia
o comportamento social e diversifica enormemente a humanidade, apesar de sua
comprovada unidade biológica. A obra atende ao interesses da introdução do
assunto nos cursos de graduação em antropologia e demais ciências sociais.
Teses
Principais
Na primeira parte do livro
“Da natureza da cultura ou da natureza à cultura” trava-se um debate a respeito
à conciliação da unidade biológica e a
grande diversidade cultural da espécie humana. Determinando um
pressuposto para a obra aponta-se que as diferenças de comportamento entre os
homens não podem ser explicadas através das diversidades somatológicas ou
mesológicas e que nem o Tanto o determinismo geográfico como o determinismo
biológico podem explicar.
O
primeiro capítulo demonstra que o determinismo biológico não é suficiente para
determinar as diferenças culturais. Mesma afirmação feita no que se diz
respeito ao determinismo geográfico. O autor esmera-se em promover exemplos que
explicitem a idéia de que as condições geográficas parecidas não proporcionam
mesma forma de produzir cultura.
Antes
de conceituar cultura historicamente o autor se preocupa em demonstrar os Antecedentes
históricos do conceito de cultura. Aponta que o termo “cultura” se desenvolveu
de duas idéias de estruturas diferentes. Kultur e Civilization “ambos
os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês
Culture”. Aponta que inicialmente o conceito histórico se desenvolveu como: "tomado
em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos
adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.
Locke refutou fortemente as idéias
correntes na época, tanto Jacques Turgot quanto Jean Jacques Rousseau se
arvoraram na suas criticas e adendos a essa forma de enxergar cultura, mas Kroeber
complementou promovendo o afastamento entre o cultural e o natural. A afirmação
final de Laraia nessa capítulo é a de que o homem é o único ser possuidor de
cultura.
Quanto ao conceito, ele evolui
historicamente sendo objeto de estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno
natural que possui causas e regularidades. A formulação de leis é, portanto,
possível. O autor afirma que Tylor é profundamente impactado pela Origem das
espécies, de Charles Darwin e que o etnocentrismo e ciência andavam em
paralelo.
Franz Boas atribuiu para a
antropologia a execução de duas tarefas: primeiro a reconstrução da história de
povos ou regiões particulares; segundo a comparação da vida social de
diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. Para ele cada
cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos
históricos que enfrentou por isso a explicação evolucionista da cultura só tem
sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear. Sua preocupação
era evitar a confusão entre o orgânico e o cultural, que o homem criou o seu
próprio processo evolutivo superando o orgânico e libertando-se da natureza.
Entende que o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. É
fruto do que é historicamente acumulado pela humanidade.
O conceito de cultura pode ser
relacionada como: Mais do que a herança genética; Meio de adaptação aos
diferentes ambientes ecológicos. O autor afirma ainda que ao adquirir cultura o
homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de
atitudes geneticamente determinadas. Tudo que o homem faz, aprendeu com os seus
semelhantes e não decorre de imposições originadas fora da cultura. Finaliza
esse assunto afirmando que “toda a experiência de um indivíduo é transmitida
aos demais, criando assim um interminável processo de acumulação”.
A idéia sobre a origem
da cultura é apontada como uma conseqüência natural da vida arborícola e do bipedismo
que proporcionou um cérebro mais volumoso e complexo e por conseqüência o aparecimento
da cultura. Já as teorias modernas sobre a cultura são descriminadas através do
pensamento de Roger Keesing. Para ele culturas são sistemas que servem para
adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Seu pensamento
darwinista o leva a conclusão de que mudança cultural é primariamente um processo
de adaptação equivalente à seleção natural. Ele aponta três diferentes
abordagens desses sistemas, a saber: O sistema cognitivo, os sistemas
estruturais e os sistemas simbólicos.
Já para Clifford Geertz
e David Schneider a abordagem é diferente. Um parte de uma busca por uma
definição de homem baseada na definição de cultura. Para isto, refuta a idéia
de uma forma ideal de homem, decorrente do iluminismo e da antropologia
clássica. O outro acaba por conceituar cultura como “um sistema de símbolos e significados.
Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de
comportamento. O status epistemológico das unidades ou ‘coisas’ culturais não
depende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser
categorias culturais”. Para Laraia a discussão está longe do fim.
A
segunda parte descreve como “Como opera a cultura”, ou como ela molda a vida do
homem. Em primeiro lugar ele afirma que a cultura condiciona a visão de mundo do homem. Uma lente através
da qual o homem vê o mundo. Para o autor a cultura depende de um
aprendizado e este consiste na cópia de padrões que fazem parte da herança
cultural do grupo não é determinada geneticamente. Seu aprendizado ao mesmo
tempo que o dá ferramentas para interpretar a vida, também o limita a padrões
pré-estabelecidos aos quais se apega como verdade e padrão, que pode ser
conceituado como etnocentrismo.
Para
o autor a cultura interfere até no Plano biológico humano podendo condicionar outros aspectos biológicos e até mesmo decidir
sobre a vida e a morte dos membros do sistema. Apesar dessa influencia da
cultura Laraia afirma ainda, que os indivíduos
participam diferentemente de sua cultura. Que essa participação é sempre
limitada já que nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos de
sua cultura, Não existe a possibilidade de um indivíduo dominar todos os
aspectos de sua cultura, mas deve existir um mínimo de participação do
indivíduo na pauta de conhecimento da cultura a fim de permitir a sua
articulação com os demais membros da sociedade.
Contra
o etnocentrismo o autor afirma que todo sistema cultural tem a sua própria
lógica sendo desleal tentar transferir a lógica de um sistema para outro. Por
fim o autor se dedica a afirmar que a cultura
é dinâmica, em detrimento do pensamento do senso comum que as sociedades
tendem a ser estáticas. Para ele cada sistema cultural está sempre em mudança. E
se faz necessário entender esta dinâmica para atenuar o choque entre as
gerações e evitar comportamentos preconceituosos e enfrentar serenamente este
constante e admirável mundo novo do porvir.
Apreciação crítica da obra:
A
obra se destaca pelo bom apanhado histórico feito pelo autor, no que se refere
ao conceito de cultura, sua vivencia com outras culturas e sua extensa pesquisa
proporcionam ao leitor, uma cronologia desse conceito selecionado sob seu viés
ideológico. Outro ponto alto do autor se demonstra na afirmação de que acultura condiciona a visão de mundo do homem. Importante
contribuição a observação de que essa visão fornece ferramentas para
interpretar a vida, também o limita sua capacidade de interação com o
diferente. Seu discurso contra o etnocentrismo se
destaca como uma conclusão lógica de seus argumentos abrindo portas para uma
visão “Ampla” dos costumes e para a “interação” de culturas.
Apesar
de sua extensa experiência com o tema, não se pode, sob pressupostos reformados
comungar com sua declarada abordagem darwinista. Para o cristão o
estudo Próprio do Cristão é o próprio Deus, a ciência precisa partir da
premissa da existência de Deus. Pink (2001) afirma que “mais alta ciência, a
mais elevada especulação, a mais vigorosa filosofia, com poder de empolgar a atenção
de um filho de Deus, é o nome, a natureza, a pessoa, os feitos e a existência
do grande Deus, a quem Chama de Pai. O conhecimento para o cristão deve o
encaminhar para o Criador.
O
Darwinismo é inconcebível como pressuposto para uma abordagem da cultura, posto
que, como afirma Sproul (2002) Se “o ser humano não surgiu pela inteligência e
ação divinas, mas por forças impessoais da natureza, a questão da dignidade
humana torna-se premente. Ela está ligada inseparavelmente ao passado e ao
futuro do homem, com sua origem e destino”. A conclusão encontrada por Sproul é
a de que:
“Se nossa origem e destino são
sem sentido, como pode nossa vida ter algum sentido? Atribuir dignidade a tal
acidente cósmico, que, na melhor das hipóteses, é animalesco, significa
sucumbir a formas sentimentais de projeção de desejos e de ingenuidade
filosófica”. (SPROUL, 2002).
Essa
ingenuidade filosófica torna-se uma barreira na construção de um saber que
conduz ao Pai. Preferível são as abordagens pressuposicionalistas que nos
aproximam do que é produzido pela ciência, mas com uma seta apontada para o
Criador. Burns (et. al, 1990) conceitua cultura como: Conjunto de
comportamentos e idéias característicos de um povo, que se transmite de uma
geração a outra e que resulta da socialização e aculturação verificadas no
decorrer de sua história. Já para o Antropólogo cristão Mansoo Mok (2005) A “Cultura
é a acumulação total de crenças, normas, atividades, instituições, e padrões de
comunicação de um grupo identificável”.
Esse
conhecimento técnico filosófico aponta para o criador pois pressupõe que a cultura é a realização do molde intencional
da natureza na execução da vontade criativa de Deus. Que o home no estado de
retidão possuía impulso (vontade), o chamado (dever), o privilégio
(possibilidade) e também poder (habilidade) para executar o mandado criativo de
Deus, mas que pelo pecado, ele perdeu essa motivação e, em conseqüência disso,
o objetivo de sua cultura é pervertido. (VAN TIL, 2010).
O
homem continua responsável por essa comissão de cultivar, mas se encontra
alienado dela. Os relacionamentos afetados promovem desordem e desequilíbrio
nas estruturas básicas: casais, família e nas relações hierárquicas do trabalho.
Tudo se dá por conseqüência do mal promovido pelo pecado. O que se contrapõe a
formação cultural corrompida dos homens é a atuação de Deus na história que em
Cristo, reconcilia todas as coisas com Ele mesmo (Cl 1.14), inclusive a
cultura. Cristo é o Grande renovador da vida; ele restaura a religião
verdadeira. Para T. S. Eliot a cultura é a “religião vivida” (VAN TIL, 2010).
Biéler (2012) afirma ainda que a obra de Cristo restaura todo o universo, toda
a criação é chamada para participar da grande obra de restauração começada pelo
filho, bem como o homem recupera, ainda que parcialmente, sua soberania sobre a
natureza.
A
cultura é objeto de grande valor no estudo teológico e precisa caminhar com os
avanços científicos que estejam em conformidade com a Revelação do próprio
Deus. Precisa apontar para ela. Nesse ponto a obra do professor Laraia está
muito distante. Seus pressupostos evolucionistas e sua defesa da ciência tem a
cultura e o conhecimento como um fim em si mesmo. A leitura de sua obra precisa
ser mediada por outras leituras e por uma orientação experiente em selecionar a
catequese darwinista da verdade de Deus exposta na obra. A leitura se aplica,
então, para um público com boa base na palavra de Deus para uma preparação
apologética ou para conhecimento da visão Darwiniana da cultura.
Referencias Bibliográficas:
BIÉLER, André. O pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo:
Cultura Cristã, 2012.
BURNS, Bárbara. AZEVEDO, Décio de.
CARMINATI, Paulo Barbero F. de. Costumes
e Culturas Sociedade religiosa. São Paulo: Edições Vida Nova, 1990.
MOK, Mansoo. Antropologia Cultural numa
perspectiva missionária. Contagem: AME Menor, 2005
PINK
A. W. Os atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas selecionadas,
2001.
SPROUL,
C. R. Filosofia para iniciantes São Paulo: Vida Nova, 2002.
VAN
TIL, Henry R.O conceito Calvinista de Cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
ZAHAR, Site. Autores - Roque de Barros
Laraia.
Disponível em:
<http://www.zahar.com.br/autor/roque-de-barros-laraia>. Acesso em:
25/08/16.
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