quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Resenha: Cultura - um conceito antropológico.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

Introdução

            O trabalho acadêmico em questão digna-se a analisar a obra “Cultura: um conceito antropológico” do autor Roque de Barros Laraia, atropólogo e professor emérito da Universidade de Brasília. Suas pesquisas de campo entre os índios Suruí, Akuáwa o Xerente da bacia do Tocantins, Kamayurá do Alto Xingu e Kaapor dos rios Gurupi o Turiaçu lhe deram a oportunidade de ocupar o cargo de presidente da FUNAI interinamente durante um mês. Recebeu como prêmios o “Diploma de Honra conferido pela Fundação de Apoio a Pesquisa do Distrito Federal, pela contribuição ao desenvolvimento científico e tecnológico do Distrito Federal, Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal. (ZAHAR)
            A obra em questão se preocupa em introduzir o leitor ao conceito antropológico de cultura. Visando a compreensão do paradoxo da enorme diversidade cultural da espécie humana. Podemos dividir a Obra em duas partes: O desenvolvimento do conceito de cultura a partir das manifestações iluministas até os autores modernos; e como a cultura influencia o comportamento social e diversifica enormemente a humanidade, apesar de sua comprovada unidade biológica. A obra atende ao interesses da introdução do assunto nos cursos de graduação em antropologia e demais ciências sociais.

Teses Principais

Na primeira parte do livro “Da natureza da cultura ou da natureza à cultura” trava-se um debate a respeito à conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana. Determinando um pressuposto para a obra aponta-se que as diferenças de comportamento entre os homens não podem ser explicadas através das diversidades somatológicas ou mesológicas e que nem o Tanto o determinismo geográfico como o determinismo biológico podem explicar.
            O primeiro capítulo demonstra que o determinismo biológico não é suficiente para determinar as diferenças culturais. Mesma afirmação feita no que se diz respeito ao determinismo geográfico. O autor esmera-se em promover exemplos que explicitem a idéia de que as condições geográficas parecidas não proporcionam mesma forma de produzir cultura.
            Antes de conceituar cultura historicamente o autor se preocupa em demonstrar os Antecedentes históricos do conceito de cultura. Aponta que o termo “cultura” se desenvolveu de duas idéias de estruturas diferentes. Kultur e Civilization “ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture”. Aponta que inicialmente o conceito histórico se desenvolveu como: "tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.

Locke refutou fortemente as idéias correntes na época, tanto Jacques Turgot quanto Jean Jacques Rousseau se arvoraram na suas criticas e adendos a essa forma de enxergar cultura, mas Kroeber complementou promovendo o afastamento entre o cultural e o natural. A afirmação final de Laraia nessa capítulo é a de que o homem é o único ser possuidor de cultura.
Quanto ao conceito, ele evolui historicamente sendo objeto de estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades. A formulação de leis é, portanto, possível. O autor afirma que Tylor é profundamente impactado pela Origem das espécies, de Charles Darwin e que o etnocentrismo e ciência andavam em paralelo.
Franz Boas atribuiu para a antropologia a execução de duas tarefas: primeiro a reconstrução da história de povos ou regiões particulares; segundo a comparação da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. Para ele cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou por isso a explicação evolucionista da cultura só tem sentido quando ocorre em termos de uma abordagem multilinear. Sua preocupação era evitar a confusão entre o orgânico e o cultural, que o homem criou o seu próprio processo evolutivo superando o orgânico e libertando-se da natureza. Entende que o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. É fruto do que é historicamente acumulado pela humanidade.
O conceito de cultura pode ser relacionada como: Mais do que a herança genética; Meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. O autor afirma ainda que ao adquirir cultura o homem passou a depender muito mais do aprendizado do que a agir através de atitudes geneticamente determinadas. Tudo que o homem faz, aprendeu com os seus semelhantes e não decorre de imposições originadas fora da cultura. Finaliza esse assunto afirmando que “toda a experiência de um indivíduo é transmitida aos demais, criando assim um interminável processo de acumulação”.
A idéia sobre a origem da cultura é apontada como uma conseqüência natural da vida arborícola e do bipedismo que proporcionou um cérebro mais volumoso e complexo e por conseqüência o aparecimento da cultura. Já as teorias modernas sobre a cultura são descriminadas através do pensamento de Roger Keesing. Para ele culturas são sistemas que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Seu pensamento darwinista o leva a conclusão de que mudança cultural é primariamente um processo de adaptação equivalente à seleção natural. Ele aponta três diferentes abordagens desses sistemas, a saber: O sistema cognitivo, os sistemas estruturais e os sistemas simbólicos.
Já para Clifford Geertz e David Schneider a abordagem é diferente. Um parte de uma busca por uma definição de homem baseada na definição de cultura. Para isto, refuta a idéia de uma forma ideal de homem, decorrente do iluminismo e da antropologia clássica. O outro acaba por conceituar cultura como “um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou ‘coisas’ culturais não depende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser categorias culturais”. Para Laraia a discussão está longe do fim.
            A segunda parte descreve como “Como opera a cultura”, ou como ela molda a vida do homem. Em primeiro lugar ele afirma que a cultura condiciona a visão de mundo do homem. Uma lente através da qual o homem vê o mundo. Para o autor a cultura depende de um aprendizado e este consiste na cópia de padrões que fazem parte da herança cultural do grupo não é determinada geneticamente. Seu aprendizado ao mesmo tempo que o dá ferramentas para interpretar a vida, também o limita a padrões pré-estabelecidos aos quais se apega como verdade e padrão, que pode ser conceituado como etnocentrismo.
            Para o autor a cultura interfere até no Plano biológico humano podendo condicionar outros aspectos biológicos e até mesmo decidir sobre a vida e a morte dos membros do sistema. Apesar dessa influencia da cultura Laraia afirma ainda, que os indivíduos participam diferentemente de sua cultura. Que essa participação é sempre limitada já que nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos de sua cultura, Não existe a possibilidade de um indivíduo dominar todos os aspectos de sua cultura, mas deve existir um mínimo de participação do indivíduo na pauta de conhecimento da cultura a fim de permitir a sua articulação com os demais membros da sociedade.
            Contra o etnocentrismo o autor afirma que todo sistema cultural tem a sua própria lógica sendo desleal tentar transferir a lógica de um sistema para outro. Por fim o autor se dedica a afirmar que a cultura é dinâmica, em detrimento do pensamento do senso comum que as sociedades tendem a ser estáticas. Para ele cada sistema cultural está sempre em mudança. E se faz necessário entender esta dinâmica para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos e enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir.
Apreciação crítica da obra:
            A obra se destaca pelo bom apanhado histórico feito pelo autor, no que se refere ao conceito de cultura, sua vivencia com outras culturas e sua extensa pesquisa proporcionam ao leitor, uma cronologia desse conceito selecionado sob seu viés ideológico. Outro ponto alto do autor se demonstra na afirmação de que acultura condiciona a visão de mundo do homem. Importante contribuição a observação de que essa visão fornece ferramentas para interpretar a vida, também o limita sua capacidade de interação com o diferente. Seu discurso contra o etnocentrismo se destaca como uma conclusão lógica de seus argumentos abrindo portas para uma visão “Ampla” dos costumes e para a “interação” de culturas.
            Apesar de sua extensa experiência com o tema, não se pode, sob pressupostos reformados comungar com sua declarada abordagem darwinista. Para o cristão o estudo Próprio do Cristão é o próprio Deus, a ciência precisa partir da premissa da existência de Deus. Pink (2001) afirma que “mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais vigorosa filosofia, com poder de empolgar a atenção de um filho de Deus, é o nome, a natureza, a pessoa, os feitos e a existência do grande Deus, a quem Chama de Pai. O conhecimento para o cristão deve o encaminhar para o Criador.
            O Darwinismo é inconcebível como pressuposto para uma abordagem da cultura, posto que, como afirma Sproul (2002) Se “o ser humano não surgiu pela inteligência e ação divinas, mas por forças impessoais da natureza, a questão da dignidade humana torna-se premente. Ela está ligada inseparavelmente ao passado e ao futuro do homem, com sua origem e destino”. A conclusão encontrada por Sproul é a de que:
“Se nossa origem e destino são sem sentido, como pode nossa vida ter algum sentido? Atribuir dignidade a tal acidente cósmico, que, na melhor das hipóteses, é animalesco, significa sucumbir a formas sentimentais de projeção de desejos e de ingenuidade filosófica”. (SPROUL, 2002).
            Essa ingenuidade filosófica torna-se uma barreira na construção de um saber que conduz ao Pai. Preferível são as abordagens pressuposicionalistas que nos aproximam do que é produzido pela ciência, mas com uma seta apontada para o Criador. Burns (et. al, 1990) conceitua cultura como: Conjunto de comportamentos e idéias característicos de um povo, que se transmite de uma geração a outra e que resulta da socialização e aculturação verificadas no decorrer de sua história. Já para o Antropólogo cristão Mansoo Mok (2005) A “Cultura é a acumulação total de crenças, normas, atividades, instituições, e padrões de comunicação de um grupo identificável”.
            Esse conhecimento técnico filosófico aponta para o criador pois pressupõe que a  cultura é a realização do molde intencional da natureza na execução da vontade criativa de Deus. Que o home no estado de retidão possuía impulso (vontade), o chamado (dever), o privilégio (possibilidade) e também poder (habilidade) para executar o mandado criativo de Deus, mas que pelo pecado, ele perdeu essa motivação e, em conseqüência disso, o objetivo de sua cultura é pervertido. (VAN TIL, 2010).
            O homem continua responsável por essa comissão de cultivar, mas se encontra alienado dela. Os relacionamentos afetados promovem desordem e desequilíbrio nas estruturas básicas: casais, família e nas relações hierárquicas do trabalho. Tudo se dá por conseqüência do mal promovido pelo pecado. O que se contrapõe a formação cultural corrompida dos homens é a atuação de Deus na história que em Cristo, reconcilia todas as coisas com Ele mesmo (Cl 1.14), inclusive a cultura. Cristo é o Grande renovador da vida; ele restaura a religião verdadeira. Para T. S. Eliot a cultura é a “religião vivida” (VAN TIL, 2010). Biéler (2012) afirma ainda que a obra de Cristo restaura todo o universo, toda a criação é chamada para participar da grande obra de restauração começada pelo filho, bem como o homem recupera, ainda que parcialmente, sua soberania sobre a natureza.
            A cultura é objeto de grande valor no estudo teológico e precisa caminhar com os avanços científicos que estejam em conformidade com a Revelação do próprio Deus. Precisa apontar para ela. Nesse ponto a obra do professor Laraia está muito distante. Seus pressupostos evolucionistas e sua defesa da ciência tem a cultura e o conhecimento como um fim em si mesmo. A leitura de sua obra precisa ser mediada por outras leituras e por uma orientação experiente em selecionar a catequese darwinista da verdade de Deus exposta na obra. A leitura se aplica, então, para um público com boa base na palavra de Deus para uma preparação apologética ou para conhecimento da visão Darwiniana da cultura.
Referencias Bibliográficas:

 

BIÉLER, André. O pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BURNS, Bárbara. AZEVEDO, Décio de. CARMINATI, Paulo Barbero F. de. Costumes e Culturas Sociedade religiosa. São Paulo: Edições Vida Nova, 1990.
MOK, Mansoo. Antropologia Cultural numa perspectiva missionária. Contagem: AME Menor, 2005
PINK A. W. Os atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas selecionadas, 2001.
SPROUL, C. R. Filosofia para iniciantes São Paulo: Vida Nova, 2002.
VAN TIL, Henry R.O conceito Calvinista de Cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

ZAHAR, Site. Autores - Roque de Barros Laraia.


Disponível em: <http://www.zahar.com.br/autor/roque-de-barros-laraia>. Acesso em: 25/08/16.

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